26. Zênite

20. Trajes

[Se quiser, veja o início desta série lendo a parte 1. Aniversário]



Cláudia acordou cansada — a primeira noite na casa dos seus novos irmãos em Cristo havia sido longa. Ela estava ansiosa e confusa — e como se isso não bastasse, ainda sentia muita dor na perna operada. Mas, superando tudo isto, havia um sentimento de paz e alegria que ela nunca sentira na vida. Quando cremos no Senhor Jesus e recebemos o perdão dos pecados, não ficamos livres de todas as nossas enfermidades e problemas num passe de mágica — mas conseguimos ver tudo de outro ponto de vista!

Com dificuldades, ajoelhou-se ao lado da cama para orar. Não sabia se precisava ajoelhar ou não, mas lhe pareceu coerente fazer isso. Orou pelo seu marido, pela sua filha e pelo namorado dela. E orou para que Deus a ajudasse a viver sozinha, sem atrapalhar a vida deles.

Claudineia, que passara a noite no ônibus vindo do Norte, estava naquela hora no carro com Davi e Sr. João, passando em frente à casa onde Cláudia orava; tão perto, mas ao mesmo tempo, tão longe. A vida é realmente muito mais misteriosa do que percebemos!

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Cláudia levantou-se da oração, e dirigiu-se à cozinha onde Rita, a esposa do motorista de ônibus, estava preparando o café da manhã. Sentou-se à mesa, e ficou pensando sobre o amor que leva alguém a acolher uma estranha com tanto carinho. “Esse casal realmente conhece o amor de Cristo”, ela pensou!

“D. Rita”, disse em voz alta; “Eu precisava …”

“Ai, por favor não me chama de ‘dona’ não”, respondeu Rita, sorrindo. Só ‘Rita’ tá bom!”

“Certo”, ela respondeu, sorrindo também. “Eu vou dá uma saída logo mais pra procurá um apartamento pra alugá.”

“Olha, não precisa ter pressa não; aqui é sua casa, viu?”

“Obrigada, irmã; obrigada mesmo. Vocês têm sido maravilhosos. Mas agora que eu cri no Senhor Jesus eu preciso começa a organizá a minha vida, sabe?”

“É, eu entendo. Você vai querer minha ajuda?”

“Pra isso não precisa, eu consigo me virá. Mas vô precisá da sua ajuda pra compra umas rôpas mais decente. O que é que eu posso usá, agora que sô salva? Calça comprida pode?”

Rita parou de lavar louça, secou as mãos, e veio sentar perto de Cláudia. Pensou um pouco, e respondeu: “Sabe, minha irmã, essa pergunta tem resposta, mas não é uma resposta muito simples. Esse assunto é bem polêmico, e muita gente vai te dizer muita coisa diferente. De um lado tem aqueles que falam que a mulher cristã é livre para usar qualquer tipo de roupa. Eles lembram que a Bíblia nunca fala sobre peças específicas de roupa — calça, ou vestido, etc. — então não podemos proibir nada. Também enfatizam que Deus vê o coração, não o exterior, então não é a roupa que importa, é o coração. E essas afirmações têm fundamento. Não devemos achar que basta colocar um certo ‘uniforme de cristão’ e pronto — já estou automaticamente agradando a Deus. Como diz o mundo, ‘o hábito não faz o monge’. A devoção a Deus no coração vale muito mais do que a roupa que eu uso.”

Rita fez uma rápida oração silenciosa, pedindo sabedoria a Deus, e continuou: “Mas tem o outro lado da moeda. O hábito não faz o monge — mas monges usam hábito, justamente por que querem ser reconhecidos como monges! Você pode reparar que as pessoas da mesma ‘tribo’ — do mesmo grupo social — se vestem da mesma forma que seus companheiros, porque têm orgulho de se identificar com o seu grupo. E a multidão, talvez inconscientemente, entende essa associação, e tira as suas conclusões: aquela moça é skatista, aquele jovem é militar, ali vai um homem de negócios, ali uma cigana, acolá um torcedor de futebol, etc. As conclusões podem até estar erradas — mas o fato que quero destacar é que as outras pessoas vão tirar conclusões sobre nós baseadas na forma como nos vestimos — quer nós gostemos disso ou não! Então eu preciso aceitar que o meu modo de vestir transmite uma mensagem sobre mim às pessoas ao meu redor, entendeu? As vestes não mudam você, mas mudam o conceito que as pessoas têm de você. E, como serva de Deus, você deve escolher um tipo de vestimenta que honrará a Deus e dará um claro testemunho da sua fé. Você deve pensar assim: com quem quero me identificar através do meu vestuário? Quando alguém que não me conhece me vir na rua, quero que me associe com skatistas, rockeiras, mulheres de negócios, ou com o Evangelho?”

Ela virou-se para trás e pegou uma Bíblia que estava sobre o armário. Leu, em voz alta, I Timóteo 2:9-15 e I Pedro 3:1-6. Terminada a leitura, olhou novamente para Cláudia e disse: “Estes versículos falam sobre a decência e a simplicidade da vestimenta feminina. Outras partes da Bíblia também deixam claro que, para Deus, existe uma diferença entre os sexos — homem e mulher são diferentes um do outro. E o Novo Testamento também fala sobre a importância de não causarmos tropeço aos outros — isto é, não nos comportarmos de uma forma que dará um mal testemunho.”

“Creio que é necessário tentar aplicar estes três princípios na hora de escolher suas roupas. Por causa dos princípios da decência e da simplicidade, creio que você deve evitar roupas decotadas, agarradas, ou extravagantes. Por causa dos princípios da diferença entre os sexos e do testemunho cristão, eu sugiro também que você não deveria sair na rua usando calças ou bermudas. Tem situações onde uma filha de Deus não tem opção — um uniforme de escola, ou algo assim — mas se existe a opção de vestimentas que deixam bem claro a diferença entre os sexos — saias e vestidos — me parece muito mais coerente com a sua fé optar por estas vestimentas. Além disso, aqui no Brasil as saias e vestidos decentes ainda estão associados, na ideia popular, com ‘crentes’. Quer dizer, se você se vestir assim, é uma forma simples de você mostrar que é diferente das mulheres do mundo. Elas se vestem para impressionar as outras mulheres, e acabam também provocando a concupiscência dos homens — talvez muitas nem pensem nisso, mas é o que acontece. Mas a mulher cristã deve procurar transmitir outra mensagem com suas vestes. Ela não deve ter vergonha de se associar com o Evangelho, e com os princípios de pureza, decência e simplicidade contidos nele.”

Cláudia ouvia atentamente. Rita fez uma pausa, e perguntou: “E aí, o que você acha?”

“Não sei — conheci muita mulher que se vestia como santa, mas era só fachada, sabe?”

“É, eu sei”, respondeu Rita. “Infelizmente tem muito disso. Assim como tem muitos homens que usam paletó e gravata e carregam uma Bíblia em baixo do braço, mas também é só fachada. Infelizmente sempre vai haver hipocrisia entre os cristãos, e cada um de nós luta contra a hipocrisia dentro do nosso coração também. Mas não é por causa disso que vamos ir pro outro extremo, e dizer que a maneira como nos vestimos não importa. A mulher cristã que se veste de forma indecente está errada, e aquela que se veste decentemente mas tem um coração orgulhoso e hipócrita também está errada — mas podemos tentar acertas nas duas coisas!”

“Mas o que é decente pra mim talvez não seja pra outra pessoa — não tem isso também?” perguntou Cláudia.

“Sim; é por isso também que eu te disse que o assunto é polêmico. Eu não quero escolher a sua roupa pra você, entendeu? Não importa que roupa você escolher, vou continuar amando você como minha irmã em Cristo. Mas eu gostaria de insistir com você pra que você dê muita atenção a esse assunto. O mais importante, penso eu, não é que eu você cheguemos exatamente à mesma conclusão — o fundamental é que você não escolha as suas roupas só pelo que está na moda, só baseado no que as outras usam — mas que você realmente procure agradar ao Senhor não só no seu coração, mas também no seu vestuário.”

“Acho que entendi”, disse Cláudia. “Se você pudé i comigo no shopping, vô tentá escolhê rôpa decente. E depois vô tenta lembrá que só a rôpa não adianta — também preciso preocupá com o coração!”

“Sim — e eu diria que a roupa é a parte fácil. Ter um coração honesto diante de Deus é muito mais difícil do que usar uma roupa digna de uma mulher cristã!”

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Algumas horas mais tarde, Cláudia estava sentada num banco no corredor do shopping, esperando enquanto Rita comprava algumas coisas pessoais. A perna doía, e o descanso era bem-vindo.

De repente, a dor e o cansaço ficaram no esquecimento. Incrédula, Cláudia viu Claudineia e Davi, de mãos dadas, vindo bem em sua direção! Ficou sem reação, completamente desnorteada, enquanto sua mente tentava pensar em mil coisas ao mesmo tempo. O que fazer? Mas não havia nada a ser feito — apenas esperar para ver qual seria a reação da sua filha.

Para sua surpresa, porém, não houve reação alguma! O casal veio e sentou-se bem atrás dela, num banco que dava de costas ao que ela ocupava, como se ela fosse uma estranha! Ela poderia, literalmente, ter estendido a mão e tocado na cabeça de sua filha. Tão perto, e ao mesmo tempo tão longe!

“Será que não me viram?” pensou. “Será que tão tão chateado comigo que tão me igno… — mas que idiota que eu sô! Eles nunca me viram antes; é claro que não vão me reconhecê! Eu conheço eles, mas eles não me conhece!”

Tremendo, abaixou-se instintivamente para pegar suas sacolas e começou a se afastar, pensando: “Essa foi por pouco!”

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