26. Zênite

10. Juramentos, etc.

[Se quiser, veja o início desta série lendo a parte 1. Aniversário]



Naquela mesma segunda-feira, Sr. João dirigia-se para casa na hora do almoço de mãos dadas com sua filha. Apesar de ter passado uma noite sem dormir e estar com um ferimento provocado por um tiro de pistola 9mm no braço, seria difícil achar um homem mais animado e feliz em todo o Universo!

Ao virarem a esquina da sua rua viram Davi se aproximando, vindo da outra direção. Ele também estava em horário de almoço, e havia sido convidado para almoçar na casa do Sr. João aquele dia. O rosto de Claudineia desabrochou naquele sorriso espontâneo que Davi tanto amava, e ele acenou, parando no portão da casa para esperar eles chegarem. Ele era um moço bom, e sinceramente penso que, naquela hora, a alegria que ele sentia não era somente por encontrar sua amada novamente, mas principalmente por vê-la tão alegre na companhia do pai que ela procurara por tantos anos!

Os três se cumprimentaram e entraram na casa, alegres e satisfeitos, e Davi foi logo falando: “Tô com uma falta de ar, moço!”

D. Maria, acabando de arrumar a mesa, externou sua preocupação imediatamente: “Aconteceu alguma coisa, filho?”

Ele riu ao responder: “Não, vó — só tô precisando de um bom ‘armoço’, e o cheirinho tá tão bom!”

D. Maria sorriu — a alegria do moço era contagiante. Sr. João pediu que Davi orasse agradecendo a Deus pelos alimentos, e logo depois, enquanto comiam, disse:

“Às vezes a gente pensa que recebeu tantas bênçãos de uma só vez que não cabe mais nada no coração da gente — mas hoje de manhã, na loja, Deus me deu mais uma alegria imensa. O Nelsinho, um garoto que frequentou as reuniões para crianças anos atrás e que até ontem trabalhava no tráfico de drogas, veio me procurar pedindo serviço. Ele disse que por causa do que aconteceu ele queria sair dessa vida. Ele quer voltar às reuniões também. Eu estava saindo para almoçar, então pedi pra ele voltar depois do almoço pra gente combinar, mas vou tentar ajudá-lo. Me ajudem a orar pela salvação dele.”

“Que legal, pai. Eu ouvi ele falano com o senhor, mas esqueci depois de perguntá pro senhor quem ele era. Achei que era só um moço da vizinhança. Mas por que o senhor disse pra ele que o senhor não jura?”

Sr. João explicou para os demais na mesa: “Quando pedi para ele voltar depois do almoço, ele me agradeceu, e perguntou se eu jurava que iria ajudá-lo. Eu respondi pra ele que nunca juro, mas que certamente o ajudaria.”

Depois, virando para Claudineia novamente, continuou: “Tiago 5:12 diz que nós não devemos jurar, nem pelo Céu, nem pela Terra, e nem fazer qualquer outro juramento, mas o nosso sim deve ser sim, e o nosso não, não. O Senhor Jesus também falou a mesma coisa no Sermão da Montanha. Parece que os judeus daquela época juravam à toa, e não se preocupavam muito em cumprir seus juramentos — tratavam suas palavras com muita leviandade. Mas na Bíblia o Senhor ensinou que o cristão deve ser conhecido como um homem ou mulher de palavra. Tudo aquilo que prometemos deve ser, para nós, tão sério quanto se tivesse sido pronunciado com o juramento mais solene, na presença de muitas testemunhas. Afinal de contas, se sempre falamos aquilo que temos plena intenção de cumprir, nunca vamos precisar jurar para mostrar que estamos falando sério, porque sempre falaremos sério!”

“Engraçado”, disse Davi; “Eu nunca tinha pensado nisso, mas faz muito sentido. É parecido com aquele caso que o senhor mencionô um tempo atrás numa pregação: o pai avisa três ou quatro vezes pra criança pará com alguma coisa senão vai tê uma correção, e depois diz: Agora eu tô falano sério!”

Sr. José entrou na conversa: “Essa questão de pais e filhos me preocupa muito, e quando vocês dois estiverem criando os meus bisnetos, vou insistir com vocês que se dediquem seriamente a isso. Nunca façam uma ameaça que não estejam dispostos a cumprir, e nunca façam de conta que não perceberam a desobediência dos seus filhos pra não ter que corrigi-los. Criar filhos no temor e admoestação do Senhor, como diz a Bíblia, é um serviço vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana!”

D. Maria pegou na mão do marido e disse, sorrindo para Claudineia: “Lembra como essa garotinha deu trabalho pra nós, Zé? Ela tinha uma energia impressionante. Acho que quatro garotos não davam conta de acompanhar ela quando era criança. Não parava quieta um minuto!”

Seu marido sorriu, mil e uma lembranças passando pela sua mente. “Lembro sim! E como tenho saudades daquele tempo!”

Depois continuou, olhando agora para o Sr. João: “E já que estamos falando sobre a importância das nossas palavras, o que o senhor pensa sobre tomar o nome de Deus em vão? Antes da minha conversão eu nunca tinha me preocupado em usar expressões como ‘Pelo amor de Deus’, ou ‘Ai meu Deus’. Mas desde quando eu cri no Senhor Jesus, nunca mais senti liberdade em usar esse tipo de expressão. Fiquei tão agradecido ao Deus que me salvou, e tão maravilhado com a majestade e glória dEle, que não conseguia usar o nome dEle de forma leviana. Só que recentemente ouvi um irmão muito mais estudado do que eu dizendo que isto era parte da Lei, e que não serve para nós hoje. O que o senhor pensa?”

“Bem, irmão, realmente a proibição de tomar o nome de Deus em vão é parte da Lei, e nós não estamos debaixo da Lei hoje. Mas não podemos dizer que tudo que a Lei proibia é permitido hoje para o cristão! Por exemplo, a Lei diz: Não matarás — e nós ainda respeitamos esta proibição hoje! Então temos que olhar para esse assunto de outro ponto de vista. Dizer que era parte da Lei e portanto não serve pra nós hoje, realmente não responde a questão.”

Ele pensou rapidamente, e continuou: “Nessa questão de tomar o nome de Deus em vão, eu gosto de pensar na questão do respeito. O senhor, por exemplo, mesmo tendo idade para ser meu pai, me chama de ‘senhor’, e quase todos da sua geração mostram esse respeito pelos outros na sua maneira de falar. Acho importante isso, pois a maneira como falamos com alguém, ou acerca de alguém, mostra o que pensamos sobre aquela pessoa. Aplicando isto ao nosso relacionamento com Deus, eu penso que devo usar minhas palavras para exaltar a Deus, nunca para rebaixá-lO. Eu quero falar sobre Ele usando palavras e expressões que mostrem que Ele é importante para mim, pessoalmente, e que mostrem a reverência que Ele merece. Por isso penso que nunca devo usar uma expressão que inclua o nome dEle de forma leviana, sem que eu esteja lembrando dEle.”

“Aliás”, ele prosseguiu, com um leve sorriso, “Vou até mais longe. Há muitas expressões que usamos para manifestar nosso espanto que surgiram como expressões de cunho religioso, e outras que são variações de expressões profanas, que não querem dizer nada em si mesmo, mas que soam muito parecidas com expressões que os ímpios usam. Por exemplo, a famosa palavrinha ‘Nossa!’, todos sabem, é a forma contraída de ‘Nossa Senhora’. ‘Credo’ é a forma contraída de ‘Cruz credo’. Todas estas expressões surgiram da superstição religiosa, e tenho tido por princípio nunca pronunciá-las.”

“Qué dizê que é pecado usá uma dessas expressões, irmão?” perguntou o Davi.

“Não, não! Eu não teria coragem de dizer isso. Eu nunca corrigi ninguém que usou uma dessas expressões, pois sei que a maioria está só repetindo o que ouve todo dia. Não me preocupo em corrigir, e também não condeno, irmãos e irmãs que falam assim. Mas eu creio que devo ser criterioso na forma como falo, pois minhas palavras indicam o que eu penso. Então tenho por princípio, pra mim, nunca usar essas expressões — mas isso é pra mim, entende? Não para os outros. Talvez estou sendo exagerado, mas acho melhor agir assim.”

“Eu creio que o irmão está certo”, disse Sr. José. “Nunca tinha pensado nessa questão de ‘Nossa’, mas entendi o que o senhor quis dizer, e concordo.”

Davi, levantando-se, disse: “Bom, infelizmente eu preciso í. Tenho que passá no banco ainda antes de voltá pro serviço, mas daqui à pouco tô de volta. Vocês ficam mais uns dias, né?” perguntou ao Sr. José.

“Hoje à noite vamos sentar e conversar, e decidir o que fazer. Aconteceu tanta coisa que nossas mentes estão meio confusas ainda, mas temos que voltar à rotina. Mas não vamos hoje, não!” disse, sorrindo; “Pode trabalhar sossegado que a Claudineia vai estar aqui à noite”.

E com essa doce promessa ressoando na sua mente, Davi trabalhou alegremente — mas com um olho fixo no relógio!

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Naquela tarde, Nelsinho saiu da papelaria do Sr. João satisfeito — estava empregado, e começaria a trabalhar no dia seguinte. Ele estava decidido a mudar de vida, e o primeiro passo havia sido dado.

Faltava ainda, porém, uma coisa importante. Tirou o chip do celular que carregava, quebrou-o em duas partes e jogou na lixeira pública em frente à papelaria do Sr. João. Era com aquele chip que ele fizera algumas ligações no Sábado à noite, e era melhor apagar aquela parte da sua vida.

Ele começara no tráfico quatro anos atrás, aos doze anos de idade (muitos companheiros do crime tinham começado mais cedo). Trabalhara como “olheiro”, depois “avião”, e já era um “vapor”, cuidando de um ponto de drogas perto da papelaria. Ele ainda tinha o tamanho e aparência de uma criança — mas a inocência ele havia perdido muito tempo atrás.

Desde quando entrara no bando do Bigodinho, vira e mexe ouvia falar sobre a tal da Cláudia, a mulher que o chefe odiava mais do que qualquer outra pessoa — a mulher que havia abandonado o Sr. João e enganado o Bigodinho vinte e cinco anos atrás. Nelsinho havia ficado assustado com a intensidade do ódio que o chefe sentia por ela. Como todos no bando, ele havia sido avisado que, se soubesse de qualquer coisa sobre a Cláudia, deveria avisar o chefe imediatamente. Se alguém procurasse o Sr. João com notícias da filha dele, o chefe queria saber imediatamente. Era uma coisa exagerada, e quase ninguém concordava com a atitude dele — mas chefe é chefe!

No Sábado à noite, Nelsinho estivera do lado de fora da loja quando Claudineia soltou aquele grito alegre de “Pai!”. Ficou curioso e atento, e quando todos saíram da loja ele percebeu logo que aquela garota era a filha perdida da Cláudia. Era obrigação dele avisar o chefe, e ele valorizava demais a sua vida para esconder essa informação. Não tinha jeito — ele teria que ligar avisando.

Antes de ligar para o chefe, porém, ele ligou para uma mulher do outro lado da metrópole — uma mulher que o havia aliciado alguns meses atrás. Ela se apresentara como amiga da Cláudia, e convencera Nelsinho a ligar para ela antes de ligar para o Bigodinho, se houvesse alguma notícia sobre a Cláudia ou sobre sua filha. Ela enfatizara que a vida da Cláudia podia depender disso — e Nelsinho prometera ajudar.

Agora, depois de tudo que acontecera no Domingo, ele não sabia se tinha feito a coisa certa. Ele tinha quase certeza que fora o telefonema dele que abrira caminho para a emboscada que resultou na morte do Bigodinho. Quem será que era aquela mulher? “Bom”, ele pensou, jogando o chip do celular no lixo, “Espero nunca mais vê esse povo. Vô começá uma nova vida, a partir de hoje!”

Ele não sabia, mas lá dentro da loja, Sr. João estava orando pela salvação dele — e, como diz a Bíblia, “a oração feita por um justo pode muito em seus efeitos” (Tg 5:16).

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