26. Zênite

12. Ligações

[Se quiser, veja o início desta série lendo a parte 1. Aniversário]



“Eu sabia que ela ia aparecê”, D. Maria repetia. “O que a gente faz agora, Zé?”

Claudineia respondeu antes do seu avô: “Eu vô ligá pra ela, vô, que que o senhor acha? Ela mandô aquelas mensagem pro celular do Davi ontem, lembra? Então é só pegá o número dela e fazê uma ligação!”

Houve um pequeno silêncio enquanto todos digeriam esta sugestão. Estavam na sala da casa do Sr. João — tinham acabado de chegar da lanchonete, surpresos ainda com a notícia dada pelo proprietário, de que a mãe da Claudineia havia pagado a conta deles. Creio que seria correto dizer que estavam todos confusos (para não dizer “atordoados”). Tanta coisa havia ocorrido nos últimos três dias! No sábado, pai e filha haviam se encontrado depois de vinte e cinco anos! No domingo, a ansiedade provocada pelas mensagens no celular culminou com a notícia, segunda-feira de manhã, da morte do traficante. E agora, quando a segunda-feira terminava, Cláudia parecia estar bem perto deles. Mas será que era ela mesmo?

Sr. João finalmente respondeu, falando pausadamente: “Em vez de ligar, talvez seria bom mandar uma mensagem — afinal, não sabemos com certeza quem enviou aquelas mensagens ontem”.

“O senhor não qué escrevê, pai?”, Claudineia perguntou.

Sem responder, Sr. João pegou o celular que Davi lhe oferecia. O jovem já havia encontrado a última mensagem recebida, e deixou tudo pronto para Sr. João digitar. Ele escreveu:

Gostaríamos de entrar em contato com Maria Cláudia Soares Brito, por favor. Temos pressa — já perdemos vinte e cinco anos. Com carinho, José e Maria, Claudineia e Davi, e João Brito.

Antes de enviar a mensagem, devolveu o celular ao Davi, que leu a mensagem em voz alta, e perguntou: “O que vocês acham; posso mandar?”

Sr. José perguntou ao Sr. João: “O senhor crê na inocência dela, irmão?”

Ele pensou um pouco antes de responder. “Acho que quero crer. Tudo indica que ela seja culpada da morte da Isabel, mas parece que, lá no fundo, não quero crer nisso. Mas mesmo que eu esteja errado, tenho convicção de que devemos tratá-la com carinho, para que ela veja em nós o amor de Cristo. Sei que não deve ser fácil para o senhor e sua esposa, mas …”

Sr. José abaixou a cabeça, sentindo um terremoto dentro do peito — mas D. Maria respondeu: “Eu gostei muito da sua mensagem, irmão. Por mim, pode mandar.”

Depois virou para seu marido (os olhos secos, mas a voz chorando) e completou: “Ela ainda é nossa filha, né Zé?”

Sr. José sorriu ao abraçá-la, concordando com um movimento de cabeça. Claudineia manteve-se calada, mas apertou a mão do namorado com tanta força que ele involuntariamente tentou tirar a mão (ela nem percebeu). Ele segurou o celular em frente dela, e ela apertou o ícone para enviar a mensagem.

O som feito pelo celular para confirmar o envio da mensagem pareceu ecoar na sala silenciosa — ninguém sabia o que falar, e parece que cada um estava absorto em seus próprios pensamentos. Será que a resposta seria imediata? Será que haveria resposta?

Foi Davi quem quebrou o silêncio, depois de alguns minutos. Tentando distrair sua namorada, ele mudou radicalmente de assunto, e perguntou: “Seu João, quanto tempo o senhor acha que eu preciso pra conhecê a Bíblia inteira?”

Sem pensar, Sr. João respondeu: “A eternidade toda!”

Depois continuou, pensativo: “Como eu já sugeri pra você quando você se converteu, você deve ler a Bíblia inteira, de Gênesis a Apocalipse, um pouco por dia, e quando terminar, deve começar de novo. E depois de muitos anos, depois de ler a Bíblia inteira dezenas de vezes, e depois de estudar diversas partes dela à fundo, um dia você vai perceber claramente, talvez meio que de repente, que é impossível conhecer a Bíblia toda no curto espaço de tempo que temos aqui na Terra. Não importa quanto você aprendeu, você vai descobrir que o que ainda falta aprender é muitas vezes maior do que o que você já aprendeu!”

Abrindo a porta que conduzia da sala para o jardim de inverno, Sr. João apontou para o Céu lá fora e perguntou: “Você consegue contar as estrelas que existem só nesse pedacinho do Céu que é visível daqui?”

Passando pela porta e fitando o Céu, compenetrado, Davi respondeu: “Acho que dá sim — não são tantas assim!”

“Você sabia que, em condições perfeitas — isto é, uma noite sem nuvens, sem a claridade da Lua, e sem as luzes da cidade para atrapalhar — você talvez conseguisse ver umas duas mil e quinhentas estrelas?”

“Tudo isso?” Davi perguntou.

“Isso só de um ponto da Terra. Agora, se você rodeasse a Terra toda e conseguisse contar todas as estrelas visíveis a olho nu da Terra, você contaria cerca de oito mil estrelas!”

“Bom, o difícil seria rodear a Terra e contar tanta estrela assim”, ele respondeu, rindo. “Mas seria interessante. E aí sim eu poderia dizer que conheço todas as estrelas?”

“Aí é que está o problema”, respondeu Sr. João. “Você ainda não estaria nem começando a conhecer todas as estrelas, porque existem mais estrelas no Universo do que grãos de areia em todas as praias e desertos da Terra! Só na nossa galáxia (a Via Láctea) existem centenas de bilhões de estrelas — e existem pelo menos dois trilhões de galáxias no Universo. Não dá nem pra imaginar quão grande é esse número, e quão enorme é esse Universo. Só pra ter uma ideia de como somos pequenos em relação a tudo que Deus criou, veja isso.”

Ele apontou para o Céu, e disse para Davi: “Você está vendo aquela estrela meio avermelhada, bem ali? Aquela estrela é Antares. Parece muito menor do que o Sol, não é? Não clareia a Terra nem um por cento do que o Sol clareia! Mas isso é só porque ela está muito, muito longe da gente — na realidade, ela é centenas de vezes maior do que o Sol. Aliás, se ela estivesse na mesma distância de nós que o Sol está, ela é tão grande que Mercúrio, Vênus, a Terra e até Marte estariam dentro dela. Dá pra imaginar isso?”

“Uau”, disse Davi. “Não dá pra imaginar não!”

Sr. João estava mexendo no seu celular, e após digitar algumas coisas, disse para Davi: “Veja esse vídeo, preparado por um irmão lá de Pirassununga.”

Ele posicionou o celular de forma a permitir que todos pudessem ver, e começou a rodar o vídeo abaixo.



O vídeo era curto (menos de dois minutos), e ao final dele Claudineia foi a única que falou. E a única coisa que ela falou foi: “Uau!”

Sr. João, aproveitando o impacto do momento, continuou: “A Bíblia foi escrita pelo mesmo Deus que criou o Universo. No Salmo 19, os primeiros seis versículos mostram como a Criação anuncia a glória de Deus, e os próximos cinco versículos revelam a perfeição das Escrituras. A glória da Criação é comparável à glória da Bíblia! O Salmista diz, no Salmo 119: ‘Tenho visto fim a toda a perfeição, mas o Teu mandamento é amplíssimo’. Parece que ele diz que tudo que é perfeito — até o Universo — tem um fim, menos a Palavra de Deus. Acho que a única coisa que me cativa mais do que a imensidão do Universo é a imensidão das perfeições da Bíblia!”

Claudineia estava fascinada com a empolgação do pai que ela acabara de encontrar. Seus olhos brilhavam, e ele falava com uma convicção e paixão impressionantes. Todos prestavam muita atenção, e ele continuou, falando rapidamente:

“A Bíblia é perfeita na qualidade dos seus ensinamentos. Ela é perfeita também na forma como apresenta estes ensinamentos — usando acrósticos, paralelos, e tantos outros recursos para realçar a beleza do que ensina. Ela é o livro ‘meta’ por excelência, pois a chave para interpretá-la é ela mesma. O assunto principal dela — a Pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo — é infinito, então ela deve refletir esta glória divina em si mesma. Eu sinto hoje, em relação à Bíblia, um pouco do que senti quando vi aquele vídeo pela primeira vez. Eu sabia que o Universo era grande, mas eu não fazia ideia de quão grande! Eu tenho gastado muitos anos estudando a Bíblia, e recentemente parece que eu abri uma porta que me mostrou que tudo isso que eu já aprendi é uma pequena parte de uma galáxia enorme, que se torna como um grão de areia diante da quantidade de galáxias que existem, cada uma delas tão grande quanto aquela que eu nem consegui mensurar ainda! Quanto mais eu conheço a Bíblia, mais eu percebo o quão pouco dela eu conheço. Dá pra entender isso?”

Ele parou de falar, mas a expressão no seu rosto dizia claramente: “Não fiz jus ao assunto!” Mas certamente ele conseguira impressionar todos com a perfeição das obras de Deus.

Davi, porém, curioso como sempre, perguntou: “Irmão, o que qué dizê ‘meta’? O senhor disse que a Bíblia é um livro ‘meta’, mas não sei o que é isso.”

“Bem, a palavra tem mais de um significado, mas eu usei no sentido de uma reflexão sobre si mesmo. No mundo da informática foi uma expressão muito usada para descrever uma autorreferência. Na literatura, vários autores consagrados do passado usaram esse recurso — Shakespeare, Cervantes, etc.”

Percebendo que não estava sendo claro o suficiente em transmitir este conceito novo para o jovem, ele tentou outra tática: “Por exemplo, imagine que aquele irmão de Pirassununga, que preparou o vídeo que mostrei para você agora há pouco, resolvesse escrever uma série de histórias fictícias. Quando ele chegasse no décimo-segundo capítulo da sua história (o número doze na Bíblia indica a perfeição governamental) talvez ele resolvesse colocar uma figura na história dele, uma imagem contendo um código — sabe, vários números que parecem não fazer muito sentido. Imagine que esse código indicasse algumas letras nos capítulos anteriores do livro que formariam uma frase, revelando um segredo que não tem nada a ver com a história — é só parte do texto. Agora, se um dos personagens da história falasse desse código na própria história, isso seria uma referência ‘meta’ — um personagem da história referindo-se ao texto que transmite a história, como se esse texto também fizesse parte da história, ao invés de ser apenas a narrativa da história. Deu pra entender?”

Davi foi sincero: “Mais ou menos. Acho que mais pra menos do que pra mais!” disse, sorrindo.

“Bom”, disse Sr. João, sorrindo também, “Eu é que não estou conseguindo explicar. Mas em relação à Bíblia, o conceito de ‘livro-meta’, ou autorreferência, é muito simples — é uma forma de dizer que a Bíblia faz muitas referências a ela mesma, entende? Um exemplo disso é a maneira como a Bíblia interpreta as suas próprias figuras — Hebreus é quase um comentário sobre Levítico, e assim por diante. Tem irmãos que se dedicam a apresentar paralelos entre diversas partes da Bíblia — o Pentateuco, os cinco livros de Salmos, e os cinco capítulos de I Pedro, por exemplo. Outro exemplo é a maneira como a Bíblia fala da sua própria perfeição. No Salmo 19:7, 119:96, em II Timóteo 3:16, e em muitos outros versículos, a Bíblia afirma que é um livro perfeito, simplesmente porque ela diz que é!”

Ele havia sentado, e se levantou novamente — parecia que ele poderia falar a noite toda sobre esse assunto! “Agora a questão que acho maravilhosa é o seguinte: qualquer outro livro que usasse a si próprio como sua autoridade, seria enfraquecido por isso — mas essa qualidade de ‘meta’ na Bíblia é uma das indicações mais claras da sua origem divina! Para quem nunca leu a Bíblia esta sua autorreferência parece ser uma fraqueza. Mas quanto mais lemos este livro, mais ficamos impressionados com a sua perfeição e profundidade, até que começamos a entender que, em toda a face da Terra, não existe autoridade maior a quem a Bíblia pudesse apelar do que ela própria! A testemunha mais confiável que ela pode apresentar para testemunhar das suas perfeições aos homens é ela mesma! Toda vez que penso nisso, me impressiono novamente!”

Certamente ele teria muito mais a dizer, se naquela hora o celular do Davi não tivesse acusado o recebimento de uma mensagem. Em um pequeno instante, sentiram-se arrastados violentamente de volta à triste realidade da fraqueza humana!

Davi, lentamente, pegou o celular e leu a mensagem em voz alta:

Meus queridos, amo muito vocês. Todos vocês. Fiz muitas bobagens na minha vida, mas nunca matei ninguém. Um dia espero provar isso pra vocês. Por enquanto, só peço que confiem em mim. Para a minha e a sua segurança, não podemos nos encontrar ainda.

Ninguém sabia o que dizer. Finalmente — parecia que tinha passado uma hora — Sr. João se levantou e dirigiu-se à porta do jardim de inverno. Olhando para as estrelas, falou para todos que estavam ali: “O que eu mais quero é confiar nela — mas será que podemos? Ah, Senhor, dê-nos sabedoria para saber o que fazer!”

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[Leia a parte 13. Medo]


P.S. Quem quiser mais detalhes sobre a perfeição da estrutura da Bíblia, achará vários exemplos nas páginas centrais das edições 54, 55, 56, 57 e 59 da revista “O Caminho”, disponíveis online.

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