26. Zênite

15. Oportunidade

[Se quiser, veja o início desta série lendo a parte 1. Aniversário]



Sr. João parou na esquina da rua movimentada do centro, e olhou em redor. À sua direita ele conseguia avistar duas pizzarias, e mais uma à esquerda. Com uma breve oração silenciosa, virou à esquerda, com planos de voltar depois na outra direção.

Algumas semanas já haviam passado desde os episódios narrados nos últimos capítulos. Sr. José, D. Maria e Claudineia haviam voltado ao Vale Verde, e a vida seguia normalmente na cidade grande. A incrível velocidade com que as surpresas haviam sucedido uma à outra naquele frenético final de semana dera lugar à rotina do dia-a-dia. A vida é assim: períodos curtos de intensa atividade seguidos por períodos longos de relativa calma, quando um dia sucede ao outro numa monotonia repetitiva e cansativa.

O Sr. João, porém, não estivera acomodado. Desde quando ouviu que Cláudia provavelmente trabalhava numa pizzaria do outro lado da cidade (veja cap. 13), ele decidira tentar encontrá-la, se Deus assim o permitisse. Era seu costume, há muitos anos, fechar a loja na quarta-feira mais cedo, lá pelas 15h00, e entregar folhetos em alguma parte da cidade. Nestas últimas semanas ele se dedicara à região onde o Nelsinho dissera que a Cláudia trabalhava, e entregava folhetos toda semana, marcando no mapa as ruas que percorria. Ele nem sabia mais quantas pizzarias havia visitado!

A chance de encontrar Cláudia numa cidade tão grande era muito pequena — menor do que a proverbial agulha no palheiro. Mas ele cria num Deus que domina sobre os reinos do mundo (Dn 4:25) da mesma forma que controla a vida de um passarinho (Mt 10:29). Um Deus que controla a imensidão do Universo, sem Se esquecer dos simples mortais que habitam neste minúsculo planeta Terra. Ele orava para que os folhetos entregues pudessem servir para o progresso do Evangelho, e que, se fosse da vontade de Deus que ele encontrasse Cláudia, que ela pudesse receber de bom grado a Palavra de Deus. Ele não exigia nada de Deus — mas ele estava desejoso de ser um instrumento na mão de Deus para levar o Evangelho a Cláudia. Ele não tinha a menor dúvida que, se Deus assim o quisesse, ele seria guiado até ela. Se esta não fosse a vontade de Deus, ele se curvaria a esta vontade, e ficaria satisfeito por saber que folhetos haviam sido entregues em vários lugares.

Agora, ao se aproximar de mais uma pizzaria, ele sentiu novamente aquele conflito de emoções dentro de si. Será que Cláudia estaria ali? Será que ele a reconheceria (e vice-versa)? Será que ela aceitaria o folheto? Será …

Como sempre fazia, ele se aproximou da pizzaria dirigindo-se primeiramente às mesas ocupadas do lado de fora. Em cada mesa pedia licença para entregar um folheto, e em poucos instantes já estava se dirigindo à mesa vizinha. Ele tentava ser discreto, rápido e educado. Algumas vezes o gerente saia rapidamente de dentro da pizzaria e pedia que ele não entregasse nada aos clientes, mas geralmente só percebiam a presença dele quando ele já havia passado pela maioria das mesas.

Aquela pizzaria era pequena, e havia apenas duas mesas ocupadas naquela hora. Tendo entregado folhetos nessas duas mesas, ele entrou rapidamente no estabelecimento para deixar também um exemplar no caixa e com os garçons. E nesse instante, parece que o tempo parou!

Antes de observar a mulher que cuidava do caixa ele já sabia que era ela — e ele percebeu que ela o reconhecera também. Ela estava muito diferente de quando a vira pela última vez, vinte e cinco anos atrás. Não só pelas mudanças naturais provocadas pela idade — os cabelos, antes negros e encaracolados, agora estavam loiros e lisos. Mas ele sabia que era ela, e a forma como ela evitava olhar para ele enquanto ele deixava os folhetos com os garçons confirmou isso.

Quantas coisas passaram pela mente dele naqueles poucos instantes! De modo automático, pediu licença aos dois garçons e lhes entregou um folheto cada. Depois virou-se para Cláudia, e rapidamente lhe ofereceu um folheto também. Quando ela estendeu a mão para recebê-lo, ele disse em voz baixa, de costas para os garçons: “Eu oro pela sua salvação todo dia!”

Por uma fração de segundo os olhos deles se encontraram, antes que ela abaixasse a cabeça. Naquele breve olhar o Sr. João viu mais do que se tivesse ficado longamente a contemplá-la. Não que ele conseguiu decifrar tudo que viu (afinal, ele era homem) mas ele recebeu muitas informações naquele rápido olhar.

Ele saiu rapidamente, tentando agir de forma natural. Ainda conseguiu ouvir um dos garçons dizendo, em tom de zombaria: “Ei, Cláudia, o véio gostô de você!”, e Cláudia respondendo com um impaciente “Cala a boca”. Continuou andando, sem olhar para trás, até que dobrou a esquina. Então sentou-se na guia da calçada, sentindo as pernas um pouco bambas. Percebeu que estava ofegante, e suava copiosamente.

De início, nem tentou organizar seus pensamentos. Havia uma euforia pelo fato de finalmente tê-la encontrado, misturado com tristeza pelo passado e dúvidas quando ao futuro. Como será que ela reagiria ao folheto? Será que ela ficaria com raiva dele por tê-la procurado (e achado)? Se pelo menos ela lesse o folheto, e permitisse que a Palavra de Deus agisse no coração dela!

De repente ele percebeu que estava orando a Deus, em silêncio, pedindo insistentemente pela salvação dela. Agradeceu ao Senhor por ter permitido que a encontrasse, e entregou a situação nas mãos dEle. Na sua simplicidade, ele imaginava que Deus não teria permitido esse encontro se Ele soubesse que ela fosse se endurecer contra o Evangelho. Por outro lado — começando a pensar com mais calma e clareza — quem somos nós para entender a mente de Deus? Não podemos imaginar que a maneira como Deus trata com os seres humanos é tão simples a ponto de ser estudada e compreendida por nós. Os versículos de Romanos 11 vieram à sua mente: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os Seus juízos, e quão inescrutáveis os Seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi Seu conselheiro?”

Levantou-se lentamente. Ele não percebeu, mas passara quinze minutos sentado ali, num universo à parte, completamente absorto em seus pensamentos. Alguns poucos indivíduos, no meio da multidão apressada e inquieta, acharam estranho o modo tranquilo e lento dele se movimentar, e um senhor idoso pensou: “Eu daria tudo para ter um olhar confiante e tranquilo como aquele senhor tem”. Realmente ele estava tranquilo e confiante, apesar de não saber o que aconteceria. Ele sentia que Deus estava guiando a sua vida, e isso lhe dava segurança.

Levantando, ele precisou olhar em redor para se localizar. Achou o caminho de casa e se afastou — continuaria entregando folhetos outro dia, mas por ora já alcançara seu objetivo. Saiu alegre, agradecendo a Deus enquanto orava.

Nem percebeu que, alguns metros de onde ele estivera sentado, Cláudia ficara o tempo todo observando-o, pensativa e confusa, meio escondida por uma árvore na calçada.

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