26. Zênite

6. Filha!

[Se quiser, veja o início desta série lendo a parte 1. Aniversário]




“Por que será que tão demorano tanto, bem?”

Davi sorriu e passou o braço em torno dos ombros da namorada. “Você já perguntô três vezes”, respondeu, rindo. “Eu também tô curioso. Mas logo vamo sabê”.

Sr. João e os avós de Claudineia estavam dentro da loja do Sr. João há um bom tempo. Quando chegaram no Jardim das Flores, os quatro viajantes haviam ido direto à loja do Sr. João, chegando poucos minutos antes do horário de fechar. Após as apresentações iniciais, e tendo explicado resumidamente o motivo da visita, Sr. João havia fechado a loja, e os três permaneceram lá dentro para conversarem em particular, enquanto Claudineia e Davi esperavam na calçada.

Para Claudineia parece que se passara uma semana! Sem conseguir se conter, ela começou a falar com Davi novamente: “Eu tô loca pra sabê como é a filha dele. Será que ela já ouviu o Evangelho e creu no Senhor Jesus? Será que mora lá perto da gente ainda? Eu queria muito sê amiga dela. Será que ela é boazinha igual o Seu João, ou brava igual a Cláudia?”

“Ei, respira um pouco”, disse Davi com carinho. “Você fala muito rápido. Nós nem sabemos ainda se ele vai encontra a filha dele!”

“Ah, vai sim. Sê não viu como meu vô falô? Eles sabem onde ela tá, e eu sei que eles vão confiá no Seu João e contá pra ele! Pode tê certeza!”

“É, aquela história de traficante deve ser do passado, antes da conversão dele”. Davi falou com convicção, mas com uma pequena sombra nos olhos. Medo? Dúvida? Tristeza? Talvez um pouco de cada.

Ficaram em silêncio alguns minutos; Claudineia não gostava nem de pensar nessa parte da história. Mas também não gostava de ficar em silêncio — então, para mudar de assunto, falou: “É difícil entendê algumas coisas, né? Antes do Seu João se convertê ia tudo bem; mas foi só ele crê que ele perdeu a família, e passou vinte e cinco anos sem conhecê a própria filha! Não era pra ser o contrário? Não era pra melhorá depois que ele creu?”

Davi pensou um pouco antes de responder. “Eu lembro do Seu João dizê pra mim que ele tinha aprendido a agradecê a Deus em todas as situações que ele passô. Ele falô que o Senhor Jesus avisô os discípulos, na noite que foi traído, que eles iriam tê perseguição. Ele falô também que Paulo escreveu pra Timóteo (ou pra Tito, não tenho certeza) que todos os que querem segui a Cristo vão sê perseguido. Aí eu falei pra ele: então quem crê fica pior que quem não crê? Aí ele explicô que na verdade todas as pessoas têm dificuldade. Alguns tem doença, alguns tem problema financêro, alguns perdem a filha (ele falô), mas todos sofrem. Alguns até parece que vai tudo bem, mas se a gente pudesse vê o coração deles, a gente ia vê que eles também sofrem. A diferença é que o incrédulo não tem nenhum proveito no sofrimento dele, mas o cristão, quando confia em Deus, fica mais forte espiritualmente pelas dificuldades que enfrenta. Eu fiquei impressionado em vê como ele realmente parecia satisfeito e alegre, apesar de todas as tristeza que enfrentô. E não era só discurso bonito, sabe? Ele realmente era uma pessoa feliz.”

“Mas a gente viu ele chorá aquela primeira noite, quando ele falô pra gente da filha dele, lembra?”

“É, o interessante é isso. Ele sofria muito pela filha dele, e quando pensava nela sempre chorava. Mas mesmo assim ele era, no geral, uma pessoa feliz. Foi por isso que eu me interessei pelo Evangelho, porque eu nunca tinha visto uma pessoa daquele jeito. Eu conheci ele quando fui trabalhá pra ele na loja dele. Fiquei quase um ano lá — qué dizê, aqui, né?” Riu da própria piada, e continuou:

“Nesse ano eu vi ele passá por muita dificuldade, sabe? Era cliente brigano com ele, era mercadoria estragano por causa de uma gotêra no telhado, e um monte de coisa. Mas nunca vi ele xingá, nem ofendê ninguém, nem desanimá. Aí eu quis sabê como ele conseguia se mantê calmo, e ele foi me explicano sobre o Evangelho, e falano como o cristão, por pior que seja a sua vida, sabe que tem a vida eterna, e não precisa ficá triste. Era impressionante ….”

Nessa hora a porta da loja se abriu, e o Sr. José chamou o jovem casal para dentro da loja. Entrando, viram o Sr. João com os olhos cheios de lágrimas, e D. Maria um pouco atrás. Dava para ver que ela tinha chorado muito, mas estava mais composta agora. Claudineia prendeu a respiração pra ter certeza que ouviria tudo que o avô iria dizer, e Davi, meio que inconscientemente, pegou na mão da sua namorada.

“Bem”, disse Sr. José, “Tem muitos detalhes que nós vamos ter que explicar depois, mas queria dizer logo o resumo da conversa. Realmente o maior traficante dessa região toda, conhecido como Bigodinho, chama na verdade João Saldanha Brito …”

Claudineia apertou com força a mão do Davi, sem saber o que pensar. Davi não pensou nada: estava só ouvindo por enquanto.

Colocando a mão no ombro do Sr. João, continuou: “Mas esse homem aqui chama João de Souza Brito.”

E com um leve tremor na voz, e uma lágrima nos olhos, acrescentou: “Ele é seu pai, minha filha!”

“PAI!” O grito de Claudineia fez Davi literalmente pular, mas antes que ele se recuperasse do susto, sua namorada já estava nos braços do Sr. João. Os dois não conseguiam controlar o choro, e só ficavam repetindo: “Pai! Meu pai!” “Minha Totoizinha linda! Até que enfim eu te encontrei.”

Sr. José abraçou D. Maria, que chorava novamente. Davi, coitado, estava bastante confuso — e talvez o leitor também esteja. Mas vamos deixar as explicações para outro dia. Depois de vinte e cinco anos de espera, Sr. João e Claudineia merecem um tempinho a sós!



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