26. Zênite

16. Paciência

[Se quiser, veja o início desta série lendo a parte 1. Aniversário]



“O reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra, e dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como” (Mc 4:26-27).

Sr. João parou nesses versículos, pensativo. Havia anos que ele desenvolvera o hábito de ler a Bíblia de Gênesis a Apocalipse, consecutivamente. Lia pelo menos meia hora toda manhã, e em poucos meses estava de volta a Gênesis. Ele já lera estas palavras do Senhor Jesus inúmeras vezes, mas naquele dia elas pareceram novas para ele.

Era quinta-feira de manhã. No dia anterior ele finalmente encontrara sua esposa enquanto entregava folhetos. Voltara para casa, estivera na reunião, e depois, exausto, dormira o sono pesado e tranquilo daqueles que estão em paz com Deus.

Agora, pensando sobre o dia anterior e sobre estas palavras do Senhor Jesus que acabara de ler, orou a Deus. “Ah, Senhor, obrigado por me fazer lembrar que eu não posso fazer a semente brotar no coração da Cláudia. Dê-me paciência para esperar em Ti. Mas não permita, ó Pai, que o inimigo arranque a Palavra do coração dela. É um folheto tão pequeno — e eu nem sei se ela leu! Mas permita, ó Pai, que seja útil para a salvação dela.”

Ele continuou orando, expressando este sentimento de dependência em Deus. Poucos minutos depois dirigia-se para a loja, para mais um dia de serviço. Estava tranquilo, ao mesmo tempo em que sentia-se muito inseguro e ansioso. Mas sabia que precisava ter paciência, e deixar tudo nas mãos de Deus.

Resolveu não contar nada a Claudineia ainda. Se houvesse algum sinal positivo da Cláudia, por menor que fosse, ele estava pronto a ajudá-la; mas assim como uma semente precisa de tempo para brotar, assim a semente do Evangelho precisa ser usada por Deus para que possa produzir arrependimento e fé no Senhor Jesus.

“Vou continuar orando e esperando”, ele pensou. “Enquanto houver um pouquinho de esperança, estarei esperando e orando.”

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Cláudia havia guardado o folheto com cuidado, mas ainda não o lera. Em parte, porque ela já sabia o que o folheto dizia. O título era bem claro: “O perdão dos pecados”, e a ilustração da capa era muito atraente. O que impressionou Cláudia foi o fato que ele era idêntico a outro folheto que ela recebera vinte e três anos atrás, enquanto estava presa — a única diferença é que o antigo era em preto e branco, e este colorido.

Ela lembrava claramente das duas mulheres que costumavam visitá-la todos os domingos na cadeia, antes dela ser transferida para a Penitenciária na capital. Eram mãe e filha, e pareciam realmente se interessar pelo bem-estar dela. Durante dez meses elas haviam comparecido toda semana, com uma ou duas ausências apenas. Depois, de repente, desapareceram.

Claudia nunca soube o que aconteceu com elas, mas nunca esqueceu do Evangelho que elas anunciavam toda semana, apresentando claramente o fato do pecado de todo ser humano, e engrandecendo Cristo como o Salvador de todo aquele que nEle crê. Nas primeiras semanas ela não se levantara da sua cama (a “cama” dela era apenas um colchão fino no chão). Suas companheiras de cela chegavam mais perto para ouvir, mas ela ficava de longe. Depois de algum tempo, porém, aceitou um folheto delas, que ainda estava com ela e que já lera centenas de vezes — exatamente a mesma mensagem que recebera do Sr. João no dia anterior.

Agora, sozinha no apartamento que ficava acima da pizzaria, onde ela morava, Cláudia olhou para o folheto que recebera do único homem que ela havia realmente amado em sua vida. Pensou em como havia traído a confiança dele, e em quanta tristeza ela lhe causara — tudo por causa do seu desejo desenfreado de enriquecer. Pensou na sua pequena filhinha, que havia se transformado numa linda mulher. “Como ela deve ter sofrido por minha causa!” Lembrou do Sr. José e D. Maria — eles haviam-na criado com tanto amor, e ela havia destruído a alegria e paz deles.

Colocou o folheto de lado, sem ler. “Acho que pra mim não tem perdão — Deus me deu o privilégio de conhecê pessoas lindas, que me amaram de verdade, e eu consegui estragá tudo! Eu escolhi o dinheiro em vez do amor, e vô tê que pagá pelos meus erros”.

Levantou-se lentamente, e saiu sem trancar a porta. Começou a caminhar, sem pressa e sem rumo. Forçou sua mente a não pensar em nada — apenas andava. Mas uma ou duas lágrimas rebeldes teimaram em escorrer pelo seu rosto. Continuou andando, esbarrando nos pedestres, tropeçando num buraco da calçada e quase caindo, enquanto as lágrimas criavam coragem e começavam a fluir rapidamente.

Uma senhora idosa segurou gentilmente seu braço e perguntou: “Tudo bem, minha filha?”

Com um misto de raiva, vergonha e angústia, ela puxou seu braço e atravessou a rua correndo, gritando: “Não, tá tudo péssimo! Me deixa em paz!”

O motorista do ônibus tentou frear, mas era impossível evitar a batida. Quando conseguiu parar o veículo, olhou, incrédulo e tremendo, para o para-brisas trincado e manchado de sangue. Depois olhou pelo retrovisor, e viu a roda de curiosos que já se formava em torno do corpo inerte de Cláudia.

Um cristão dedicado e fiel, ele só pensou em orar a Deus: “Meu Deus, eu não tive culpa! Eu não tive culpa! Eu não queria matá ela! O que que eu fiz, meu Pai!”

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